Migrantes Climáticos: uma nova jornada humanitária

Autor: Rodrigo Coura de Castro Leite

As Mudanças Climáticas, causadas pelo Aquecimento Global em função, principalmente, dos fenômenos “El Ninõ” e “La Ninã”, vem causando impactos significativos, não somente nos meios biótico e físico, como no meio antrópico, ou seja, aquele relacionado a tudo que envolve a vida dos seres humanos e sua relação com seu meio. Em muitos casos, os impactos desta relação tornam-se irreversíveis, seja no âmbito local, como em nível global.

Um exemplo que tem se destacado e preocupado muitas nações, atualmente, refere-se à migração de um número considerável de indivíduos para novos lugares, em função dos efeitos dos desastres ambientais, como enchentes e secas extremas. Segundo o site Ecologia e Ação-ECOA (2023), as mudanças climáticas potencializaram migrações de quase 32 milhões de indivíduos, em nível global. Apenas no continente americano, no ano de 2022, foram identificados uma média de 2,1 milhões de migrantes, sendo as enchentes, os fenômenos que mais fomentaram os deslocamentos.

De acordo com o site da CNN (2024), a quantidade de pessoas em processo de deslocamentos forçados em função de conflitos e guerras em todo o mundo, principalmente, em países como o Sudão, a Faixa de Gaza e a República Democrática do Congo, continuam sendo as mais significativas, no entanto, fenômenos de extrema urgência climática, como as enchentes do Rio Grande do Sul, forçaram a migração de milhares de pessoas em busca de abrigo em outras regiões do país, causando crise humanitária e exigindo a atenção do Estado e da comunidade no apoio aos deslocados. Cada vez mais, o Aquecimento Global vem forçando milhares de pessoas a deixarem suas moradias em busca de abrigo, em função das adversidades climáticas. Conforme o Jornal USP (2024), baseado em especialistas da área, “as leis internacionais precisam ser adaptadas para garantir direitos a esses indivíduos e o Brasil possui mecanismos de proteção humanitária que podem servir de exemplo.”

A definição de refugiado, divulgada pela Convenção das Nações Unidas de 1951, segundo o Jornal da USP (2024), refere-se ao indivíduo deslocado em função do seu medo de perseguições em função de questões como “raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”, impedindo-o de retornar ao país de origem e demandando proteção de outras nações, no entanto, este reconhecimento oficial do Direito Internacional não contempla os “Migrantes Climáticos”, aqueles que também foram obrigados a abandonar as regiões onde viviam, fugindo das adversidades climáticas que impediram sua sobrevivência naqueles locais impactados pelos desastres ambientais. Esta realidade, no entanto, não desqualifica as nações a tomarem as medidas emergenciais necessárias, mesmo que, baseado no Direito Internacional, não são obrigadas a praticá-las.

Imagem 01: – Cresce número de brasileiros deslocados por conta de tragédias climáticas. Foto de Gema Cortês (OIM). Publicado no site da ONU, em 8 de maio de 2024. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2024/05/1831336.

Conforme Amartya Sen (2011), em A Ideia de Justiça, quaisquer que sejam as proclamações sobre os Direitos Humanos, ao reconhecer que “as coisas” que existem e são chamadas de Direitos Humanos, são declarações fortes e de caráter ético sobre “o algo” que deve ser feito, passam a exigir o reconhecimento dos seus imperativos, para que em seguida, possa legitimar o que já foi reconhecido e identificado.

De acordo com o autor, declarações de Direitos Humanos, promulgadas por instituições ou atores sociais, bem como, por alguma outra entidade, como a Organização das Nações Unidas-ONU, em meio a este processo interativo de críticas e aberto aos argumentos externos, passa a ser considerado como um processo de avaliação ética e política, podendo, ou não, ganhar novas ratificações institucionais.

Finalmente, neste ponto do processo de legitimação, em muitos casos, as demandas por novas políticas públicas tornam-se convites para a criação de uma nova legislação, em vez de basear-se, apenas, em alguma lei pré estabelecida, em função de outros contextos, como é o caso do reconhecimento oficial apenas dos refugiados de guerra, pelo Direito Internacional.  Caberá a todos nós, seja como cidadãos ou como gestores públicos e privados, descobrir novas maneiras de lidar com a questão dos “Migrantes Climáticos”, uma demanda humanitária que ainda carece de protocolos, diretrizes e direitos, tanto em ambientes internos, como em âmbito internacional.

Brasil X Migrantes Climáticos: um exemplo para a comunidade internacional

No Brasil, segundo o Jornal da USP(2024), vem sendo adotadas medidas que poderiam influenciar na criação de novas instituições políticas em atendimento às demandas migratórias mundiais. Tomando como exemplo o caso dos migrantes haitianos que deixaram seu país em função do terremoto que devastou sua capital, Porto Príncipe, desabrigando milhares de seus habitantes: naquela circunstância pós desastre, o Conselho Nacional de Imigração-CNIg, concedeu vistos por razões humanitárias aos sobreviventes haitianos, permitindo que os mesmos trabalhassem e residissem no território brasileiro, no ano de 2012, mesmo contrariando a decisão do Comitê Nacional para os Refugiados-Conare, que baseado na Convenção de Genebra, argumentou que a mesma não beneficiava os atualmente conhecidos “Migrantes Climáticos”.

Considerando Max Weber, em Conceitos Sociológicos Fundamentais (2010), a construção de conceitos e leis é um reflexo da história, bem como, da análise das causas das ações sociais, estruturas e personalidades individuais, culturalmente importantes para determinados grupos sociais. Neste contexto, uma ação social pode ser determinada tanto pela necessidade individual, como condicionada pela massa. Assim sendo, para que aconteça a Ordem Legítima, torna-se necessário que esta exerça seu mandamento sobre a ação social, quando sua Legitimidade pode ser garantida pelas formas: afetiva, religiosa, racional (estatutos), convenção ou direito (regras e leis).

A iniciativa do Brasil em voltar a fazer parte do Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular, no ano de 2023, segundo a Organização das Nações Unidas-ONU (2024), reafirma sua preocupação em promover os direitos dos migrantes que vivem em seu território, bem como, sua proteção. De acordo com a organização, houve um aumento de migrações na América Latina, provenientes de outros  continentes, que fazem o percurso, na maioria dos casos, por meios regulares, ou seja, com vistos ou outras autorizações legais. Ao renovar sua filiação no pacto, de acordo com o Jornal da USP (2024), o Brasil vem demostrando sua preocupação com o tema, bem como, apresentando no Congresso Nacional, Projetos de Lei que tratam sobre o assunto, como a da Lei 1.594, de 2024, apresentada após o desastre do Rio Grande do Sul e propondo estratégias, em diferentes contextos, para a reconstrução das condições básicas de sobrevivência dos deslocados, objetivando novas políticas públicas que contemplem questões como “moradia, educação e empregabilidade dos refugiados do clima”.

A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional-CRE, em 27 de novembro de 2024, aprovou o desenvolvimento de um protocolo referente a abrigos emergenciais, destinados aos refugiados em função das adversidades climáticas, no interior do território nacional. O Projeto de Lei 2.347, de 2024, recebeu parecer favorável e segue para a Comissão de Constituição e Justiça, ao defender o direito para toda pessoa refugiada, inclusive aquela deslocada em função dos” desastres naturais, ambientais, climáticos ou tecnológicos”, o direito a um abrigo emergencial. O direito ao abrigo também beneficia migrantes de deslocamentos domésticos, devendo proporcionar, temporariamente, “espaços habitáveis cobertos e seguros”, garantindo uma vida saudável, com “privacidade e dignidade”, privilegiando questões, como: localização, acessibilidade, vínculos familiares ou comunitário, sustentabilidade ambiental, não-discriminação entre outros.

O Relatório Mundial sobre Migração, de 2024, descreve sobre o número recorde de migrantes, em âmbito global, que de acordo com a ONU (2024), atingiu a média de 117 milhões de indivíduos deslocados, em contrapartida, segundo a organização, ocorreu um aumento significativo de auxílios financeiros internacionais, que passou de US$ 128 bilhões para US$ 831 bilhões, entre os anos 2000 e 2022, objetivando beneficiar as pessoas deslocadas em função de ocorrências diversas, como:  “conflitos, violência, desastres e outros motivos”. De acordo com o site Senado Notícias (2023), a situação dos migrantes em função das mudanças climáticas e desastres ambientais, em particular, agrava-se pela inexistência de políticas públicas que tratam sobre o tema, bem como, a ineficiência dos estados em atender as próprias demandas climáticas, causadoras destas migrações. Conforme a representante do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, para o site Senado Notícias (2023):

“É preciso enfrentar os crescentes desafios e proteger a dignidade humana quando falamos em mudança do clima. O direito ainda busca compreender o alcance das obrigações estatais relacionadas à emergência climática, mas na Constituição consta que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Isso é responsabilidade do poder público e da coletividade. Quando trazemos isso para a agenda do clima, estamos falando em implementar políticas de migração e de adaptação a fim de proteger os direitos humanos das pessoas afetadas.” (SENADO Conferência das Partes – COP 29: novas perspectivas

COP 29: considerações em contexto

Na última Conferência das Partes, a COP 29, realizada em Baku, no Azerbaijão, em novembro de 2024, quando contou com a presença de representantes de inúmeros países, de acordo com o site GOV.BR/MMA (2024), ficou estabelecido que as nações consideradas desenvolvidas devem assumir o repasse de pelo menos US$ 300 bilhões anuais, até o ano de 2035, aos países em desenvolvimento, objetivando a adoção de ações em prol da redução das emissões dos gases de efeito estufa. Na conferência, as nações desenvolvidas foram convocadas para cooperar com o valor de US$ 13 trilhão, até o mesmo ano, por meio de fontes públicas e privadas. No evento, o Brasil assumiu o compromisso de extinguir em até 67%, suas emissões de CO², até o ano de 2035, em comparação aos níveis de suas emissões, apresentadas em 2005.

Na pauta que tratou sobre o Mercado de Carbono, questões sobre a regulação das trocas de resultados de mitigação, entre nações, instituiu mecanismos globais para a geração dos créditos de carbono, em âmbito privado, incluindo um conjunto de 100 indicadores que informem sobre as realidades nacionais de cada nação, considerando questões relacionadas a: “inclusão social, povos indígenas, processos participativos, direitos humanos, igualdade de gênero, migrantes, crianças e jovens e pessoas com deficiência, além de ecossistemas específicos.”

Referências Bibliográficas:

– ECOA. Migração Climática: eventos extremos forçaram 2 milhões a migras nas Américas em 2022. Publicado em 10 de maio de 2023. Acesso em 05 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://ecoa.org.br/migracao-climatica-eventos-extremos-forcaram-2-milhoes-a-migrar-nas-americas-em-2022/#:~:text=Eventos%20clim%C3%A1ticos%20extremos%20for%C3%A7aram%20a%20migra%C3%A7%C3%A3o%20interna%20de%2031%2C8,de%20Deslocamento%20Interno%20(IDMC).

– GOV.BR/Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. COP 29 termina com acordo sobre nova meta de financiamento climático global. Publicado em 26 de novembro de 2024. Acesso em 05 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/cop29-termina-com-acordo-sobre-nova-meta-de-financiamento-climatico-global.

– Jornal da USP. Brasil pode ser exemplo para o mundo em proteção humanitária para refugiados climáticos. Por Felipe Faustino. Publicado em 12 de junho de 2024. Acesso em 05 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/brasil-pode-ser-exemplo-de-protecao-humanitaria-para-refugiados-climaticos/.

– ONU. Cresce número de brasileiros deslocados por conta de tragédias climáticas. Publicado em 8 de maio de 2024. Acesso em 26 de março de 2025. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2024/05/1831336.

– SEN, Amartya. A Ideia de Justiça. Trad. BOTTMANN, Denise e MENDES, Ricardo D. Editora Companhia das Letras. 2011. (Obra Literária: pesquisar disponibilidade “on line”)

– SENADO NOTÌCIAS. ‘Migrante climático’ ainda enfrenta dificuldades jurídicas, aponta debate. Por Agência Senado. Publicado em 16 de agosto de 2023. Acesso em 05 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/08/16/migrante-climatico-ainda-enfrenta-dificuldades-juridicas-conclui-debate#:~:text=’Migrante%20clim%C3%A1tico’%20ainda%20enfrenta%20dificuldades%20jur%C3%ADdicas%2C%20aponta%20debate,-Compartilhe%20este%20conte%C3%BAdo&text=Uma%20audi%C3%AAncia%20p%C3%BAblica%20da%20Comiss%C3%A3o,deslocamentos%20for%C3%A7ados%20por%20quest%C3%B5es%20clim%C3%A1ticas.

– SENADO NOTÌCIAS. CRE aprova protocolo para abrigos emergências de refugiados. Por Agência Senado. Publicado em 27 de novembro de 2024. Acesso em 05 de fevereiro de 2025. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/11/27/cre-aprova-protocolo-para-abrigos-emergenciais-de-refugiados.

– WEBER, Max. Conceitos Sociológicos Fundamentais. Trad. MOURÂO, Artur. Coleção: Testos Clássicos de Filosofia. Covilhã: Universidade da Beira Interior. 2010. (Obra Literária: pesquisar disponibilidade “on line”)

Referências de Imagens:

Imagem 1: – ONU. Foto de Gema Cortês/OIM. Publicado em 8 de maio de 2024. Acesso em 26 de março de 2025. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2024/05/1831336.

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